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REUMATISMO

Reumatismo designa mais de 200 doenças que afetam cartilagens e articulações, como a artrite. Na maioria das vezes atingem pessoas mais velhas. Veja na entrevista abaixo os tipos de tratamento.

Tradicionalmente, reumatismo é considerado uma doença das articulações, músculos, ligamentos e tendões, de caráter não traumático, que acomete pessoas mais velhas.

Na verdade, a palavra reumatismo serve para designar inúmeras enfermidades, mais de 200. Provavelmente, as mais conhecidas são a artrite reumatoide e a artrose, que afetam cartilagens e articulações e provocam dor, deformação e limitação de movimentos. No entanto, as doenças reumáticas acometem não só as articulações e cartilagens, mas também órgãos internos, como coração e rins e, para a grande maioria delas, existem fundamentos imunológicos bem definidos.

Descritos por Hipócrates, séculos antes de Cristo, os diversos tipos de reumatismo podem manifestar-se em pessoas de qualquer idade: crianças, jovens, adultos e idosos. Foi só nos últimos anos, entretanto, que surgiram drogas capazes de revolucionar o tratamento clássico da doença feito até então apenas com anti-inflamatórios.

CONCEITUAÇÃO

Drauzio – Como você define o reumatismo?

Isidio Calich – A palavra reumatismo vem do grego (rheuma), mas seu significado foi-se modificando com o passar do tempo. Atualmente, quando se fala reumatismo, estamos nos referindo a um grupo bastante extenso de doenças que acometem não só as articulações, músculos, ligamentos e tendões. Estamos nos referindo também a doenças em que o sistema imunológico está envolvido e atacam órgãos como cérebro, rins, coração, por exemplo.

Portanto, por englobar grupo tão grande de enfermidades, é muito importante caracterizar o tipo de reumatismo a fim de propor tratamento efetivo e adequado.

Drauzio – Mais ou menos quantas doenças estão classificadas como reumatismo?

Isidio Calich – Mais de 250, 300 doenças diferentes. Algumas acometem primeiro os órgãos internos. Um exemplo é o lúpus eritematoso sistêmico que, às vezes, começa pela inflamação do rim. Nesse caso, os primeiros sintomas são alterações na urina (presença de sangue e de proteína). Depois, o quadro vai se completando (as juntas incham, inflamam os músculos) e a doença adquire características reumáticas.

Outro exemplo é a febre reumática, doença que acomete principalmente crianças e pode começar pelo coração e não pelas articulações. Aliás, quanto menor a idade da criança, maior a probabilidade de comprometimento cardíaco.

Portanto, embora não seja fácil fazer o diagnóstico exato desde o início, atualmente, podemos contar com exames laboratoriais e um conhecimento maior das doenças, o que torna possível caracterizar e tratar corretamente cada tipo de reumatismo.

ARTRITE REUMATOIDE E ARTROSE

Drauzio – O reumatismo pode acometer articulações, músculos, ligamentos e tendões. Um dos principais sintomas da doença é a dor. Todavia, dores articulares podem ocorrer por diversas razões. Às vezes, a pessoa pisa de mau jeito ou exagera nos exercícios, e as articulações ficam doloridas. O que diferencia a dor reumática da dor ocasional provocada por traumatismos ou pela prática inadequada de exercícios? 

Isidio Calich – Na verdade, nos dois casos, a dor não é muito diferente. Por isso é importante levantar a história clínica do paciente para determinar se a origem da dor é mecânica ou inflamatória. Se a pessoa torceu o tornozelo, que inchou e continua inflamado, obviamente a causa é mecânica e a dor é provocada por inflamação, porque líquido se formou dentro das articulações. Em outras palavras: a membrana sinovial que forra o interior da articulação começa a produzir um líquido que determina o processo inflamatório. Nos casos de reumatismo, a dor é causada por inflamação sem história de entorse, traumatismos ou esforço repetitivo.

Drauzio – Talvez a doença reumática mais conhecida seja mesmo a artrite reumatoide. Especialmente, nas pessoas de idade, essa doença provoca deformidades nas articulações e as mãos adquirem características típicas do reumatismo, que não é uma doença apenas dos idosos…

Isidio Calich – Reumatismo é uma doença que acomete crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, e existem tipos preferenciais de acordo com a idade. A febre reumática, por exemplo, acomete principalmente crianças. O lúpus eritematoso sistêmico, uma doença autoimune, em geral se manifesta no sexo feminino, durante a puberdade, quando ocorrem alterações hormonais em virtude da transformação do sistema endócrino. Já nas pessoas de mais idade, os tipos predominantes são, sem dúvida, a artrose e a artrite reumatoide.

Drauzio – Qual a diferença entre artrose e artrite reumatoide?

Isidio Calich – Em geral, a artrose aparece depois dos 50 anos e evolui progressivamente a ponto de, aos 80 anos, todas as pessoas (100%) terem uma alteração da cartilagem que, no decorrer dos anos, vai deformando as articulações. Por que algumas pessoas sentem dor e outras não, não é bem conhecido. Há quem descubra que tem bico-de-papagaio na coluna, quando tira uma radiografia por outro motivo qualquer. Do mesmo modo, pequenas deformidades nas mãos (nódulos de Heberden) próprias da artrose podem provocar muita dor ou dor nenhuma dependendo do paciente.

Já a artrite reumatoide é uma doença autoimune que se caracteriza por inflamação que pode provocar também pequenas deformidades nas mãos. Como o sistema imunológico está envolvido no aparecimento da doença, de acordo com as características genéticas do indivíduo, sua intensidade varia para mais ou para menos.

TRATAMENTO

a) Anti-inflamatórios e cortisona

Drauzio – Quais os primeiros remédios usados no tratamento do reumatismo?

Isidio Calich – Há cerca de 50 anos, os anti-inflamatórios foram introduzidos no tratamento do reumatismo. A cortisona começou a ser utilizada em 1948, 1950, seguida pelo sal de ouro, este último indicado para o tratamento da artrite reumatoide. Como se vê, são remédios antigos, mas que apresentavam muitos efeitos colaterais, especialmente porque não se dominava o conhecimento exato de como empregá-los com adequação.

No caso dos anti-inflamatórios, apesar de a ação dessas drogas ser, em geral, muito semelhante entre si, durante anos, os laboratórios procuraram encontrar novas fórmulas que trouxessem mais benefícios e menos efeitos adversos. Já existem, por exemplo, medicamentos que atacam menos o tubo digestivo. No entanto, às vezes, ainda surgem problemas. Recentemente, atribuiu-se ao uso contínuo de um anti-inflamatório a maior incidência de comprometimento cardíaco e ele foi retirado do mercado.

Drauzio – Qual é o princípio básico da ação dos anti-inflamatórios?

Isidio Calich – Basicamente, eles inibem a produção de prostaglandina, um mediador da inflamação responsável pelo aparecimento do líquido que se forma com a inflamação. Inibindo a produção de prostaglandina, há menor transudação de células e de líquido para dentro da articulação.

Drauzio – O que é transudação?

Isidio Calich – Na doença inflamatória da articulação, os vasos sanguíneos dilatam, o que permite a passagem de líquido e células para dentro da articulação, ou seja, a transudação de líquido e células para dentro da articulação.

Drauzio – O mecanismo de ação dos derivados da cortisona é o mesmo dos anti-inflamatórios?

Isidio Calich – Não, eles atuam em diferentes níveis da inflamação. A cortisona inibe outras etapas do processo inflamatório. Na realidade, ela é o mais potente anti-inflamatório que existe.

Drauzio – A cortisona revolucionou o tratamento das doenças reumatológicas.

Isidio Calich – A história da cortisona é interessante. Quando foi desenvolvida, antes de 1950, os primeiros a utilizá-la acharam que tinham encontrado uma forma de curar os pacientes com doenças reumáticas. Sem o conhecimento exato de como deveria ser prescrita, empregavam doses muito altas e os sintomas desapareciam completamente. Aliás, como acontece ainda hoje, se doses muito altas forem ministradas, o doente tem a impressão de que realmente está curado. Com o tempo, porém, ele se torna resistente à cortisona e passa a demandar doses cada vez maiores. Acontece que os efeitos colaterais da cortisona podem ser graves: osteoporose, catarata, fraturas precoces, hipertensão arterial, diabetes só para citar alguns deles. Portanto, cortisona mal utilizada pode causar em problemas sérios. Aquilo que se admitia como cura em 1950, hoje se sabe que é apenas um anti-inflamatório potente que pode e deve ser usado quando a inflamação é intensa e retirado o mais rápido possível para evitar efeitos adversos.

b) Imunossupressores

Drauzio – No tratamento das doenças reumatológicas, os anti-inflamatórios, de um lado, e os derivados da cortisona, de outro, eram as armas de que dispúnhamos até recentemente para inibir o processo inflamatório. O que há de novo e eficaz nessa área?

Isidio Calich – Entre o uso de anti-inflamatórios e da cortisona e os remédios de última geração, foram introduzidos os moduladores da inflamação, ou seja, drogas que inibem a produção de citocinas pelos linfócitos, as células mais envolvidas no processo inflamatório. Essas drogas impedem que as citocinas atuem levando à progressão da doença.

Esses imunossupressores clássicos, drogas que diminuem a resposta imunológica e, consequentemente o processo inflamatório, também são usados no tratamento de neoplasias, em câncer. Porisso, o paciente se assustava – e até hoje se assusta -, quando o remédio é indicado. “Mas, esse remédio minha vizinha que tem câncer está tomando. Eu também estou com câncer?”, pergunta.

Na verdade, as doenças autoimunes e as doenças imunológicas têm certa proximidade com as doenças neoplásicas quanto às bases, embora percorram caminhos diferentes. No entanto, com o uso de quimioterápicos, em doses mais baixas, sem nenhum dos efeitos colaterais que podem ocorrer no tratamento das neoplasias, conseguimos controlar as doenças reumáticas.

c) Outras drogas

Drauzio – Que outras drogas podem ser usadas no tratamento dos reumatismos?

Isidio Calich – O avanço da engenharia genética e o melhor conhecimento das doenças permitiram a formação de compostos mais específicos para o tratamento do reumatismo. Por exemplo, sabe-se que um mediador da inflamação chamado TNF (fator de necrose tumoral) produzido pelas células agrava as doenças inflamatórias, especialmente alguns tipos de reumatismo. Drogas que inibem a formação do TNF têm mostrado resultados muito bons para a maioria dos pacientes. É importante dizer, porém, que não representam a cura para a doença, mas uma forma de controlá-la melhor. Isso precisa ser bem explicado para o paciente que vai utilizá-las.

Como o tratamento é longo e elas são extremamente caras, hoje, num país como o nosso, é um problema fazer uso delas de maneira ampla. Então, resta seguir a conduta convencional. Às vezes, é possível controlar a doença com drogas anti-inflamatórias associadas a um modulador da inflamação. A cloroquina, por exemplo, indicada para tratamento da malária, funciona bem nas doenças reumáticas. Se os resultados não são satisfatórios, introduzem-se os imunossupressores. Já que 80%, 85% das doenças reumáticas podem ser controladas com esses medicamentos, é um erro introduzir drogas extremamente modernas e caras sem experimentar a resposta às drogas convencionais. Agora, quando a doença é muito agressiva e não se consegue controlá-la dessa forma, tem que se considerar o emprego desses agentes biológicos que representaram grande avanço no tratamento das doenças reumáticas.

Drauzio – Deixando de lado o preço desses medicamentos, qual foi o impacto que representaram na evolução das doenças reumáticas?

Isidio Calich – Estamos usando essas drogas desde que surgiram, em 1999, e realmente elas mudaram o curso de certas doenças, por exemplo, da artrite reumatoide, uma vez que favorecem a regressão dos sintomas mais intensos e impedem a formação de erosões, ou seja, impedem a destruição da cartilagem e do osso, o que leva a deformidades.

Trabalhos têm mostrado que usadas a longo prazo essas drogas detêm o avanço da artrite, não em todos, mas em número significativo de pacientes.

Drauzio – Alguns reumatologistas defendem que as drogas mais modernas deveriam ser usadas desde o início, porque mudam a evolução natural da história da doença.

Isidio Calich – No último congresso realizado em Veneza, no final do semestre de 2005, foram apresentados vários trabalhos no tratamento da “muito precoce artrite reumatoide” (anteriormente a classificação começava em “artrite reumatoide precoce”), isto é, antes das manifestações da doença. Feito o diagnóstico, a proposta é iniciar o tratamento com essas drogas caras, mas ainda não existem dados que comprovem se realmente trazem benefícios em termos de resultados futuros. Não resta dúvida, entretanto, que o impacto econômico será um desastre, se considerarmos a hipótese de utilizá-las no Brasil, onde a população com artrite reumatoide é de 2,5 milhões, 3 milhões de habitantes.

Drauzio – Na verdade, o preço dessas drogas torna sua utilização inviável no mundo inteiro, não só no Brasil.

Isidio Calich – Esse é um aspecto importante a ser levado em conta. Além disso, é preciso reforçar a ideia de que existe boa resposta ao tratamento correto realizado com as drogas clássicas. Portanto, primeiro, deve-se tentar o esquema convencional adotado em qualquer país do mundo. Se o paciente não responder, aí então médico e paciente devem conversar sobre a utilização das novas drogas.

Fonte: Dr. Drauzio – Uol

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